Texto en español en Gabriela Colombo: "Compañías".
Traducido al portugués.
No começo eu pensei que era minha vista. Eu as enxergava por toda parte. Pensei que era por viver grudada no monitor dez horas por dia. Comprei um protetor de tela, mas a situação não melhorou. De tempos em tempos, tentava esquivá-las ou pegá-las com a mão. Elas voavam de um lado para o outro.
Fui a um centro oftalmológico, onde me dilataram as pupilas à força de gotas ardidas. Fiquei impressionada ao descobrir que também com a visão distorcida eu as continuava enxergando. Por ali passa uma voando, por lá se escondeu outra... Essa que parece uma, na realidade são duas, uma ao lado da outra.
O resultado parcial da consulta foi fadiga visual.
— Você enxerga linhas brilhantes enquanto trabalha?
— Sim, às vezes eu enxergo umas espadas fluorescentes aparecendo nas laterais do monitor.
— "Flashes luminosos". Esse é o nome que dão para esse problema e o tratamento é com um colírio.
— E as sombras?
— Nós as chamamos “Moscas Volantes”. Nunca tentou pegar uma?
— Já, várias vezes…
— São descolamentos de retina. Geralmente começam a aparecer com a velhice. Esse não é o seu caso.
— Como se faz para eliminá-las?
— Não tem jeito. O melhor é ficar amiga das suas moscas e aprender a conviver com elas. Se algum dia perceber que aumentaram, venha logo.
Dei duas voltas pelo hall do consultório até acertar a porta do elevador... eu me sentia tonta. Deixei o carro estacionado, optei por andar. Perambulei pelo centro da cidade como entre trevas. As luzes eram difusas, não podia ler os cartazes, nem os números dos ônibus e menos ainda os nomes das ruas. Fiquei pensando nos cegos.
Quando cheguei em casa me deitei com os braços cruzados atrás da cabeça, apaguei a luz e caí exausta, com a imagem do oculista falando gravada nas minhas retinas. Dormi sossegada até sentir a presença de uma das sombras flutuando por cima do meu corpo. No meio de um arrepio, abri os dois botões pretos que tinha como olhos e me levantei, agitada, para espantá-las. Acendi o abajur e, como um autômato, todas as demais luzes que encontrei em casa. O efeito “pupilas” não tinha fim. Fui até o banheiro e acabei na cozinha tomando um copo de leite morno. A certa altura da vida, não se pode ter medo da escuridão... Antes de voltar para a cama, olhei bem se a luz do corredor iluminava boa parte do meu dormitório. A sombra parece que tinha recebido a mensagem e estava escondida atrás da porta. Cobri a cabeça com o lençol e fiquei com a ponta do nariz para fora para respirar melhor. Por dentro, lhe implorei que não saísse.
Naquela época, a minha única esperança eram os vidrinhos de colírio; cumpria o rito das gotas cinco ou seis vezes por dia. Qualquer coisa para não vê-las mais. Durante o dia, rodeada de gente, a questão fluía bem. Os problemas começavam com o entardecer, parecia que a escuridão as ajudava a se camuflarem melhor, elas se desinibiam.
Tentei entender porque não podia vê-las diretamente, cara a cara. Devia se tratar de alguma característica da visão humana, porque eu podia perfeitamente detectá-las pelas laterais e inclusive por trás de mim. Ao longo dos anos também comecei a senti-las; exalavam um hálito frio, desagradável. Eu vivia em casa com umas seis delas e confesso que me apavorava enxergar mais de quatro juntas por perto. Desde o início pensei em ignorá-las, negá-las e durante algum tempo, consegui manter um comportamento socialmente aceitável, mas um dia elas se enfureceram ou simplesmente se cansaram da convivência e começaram a me assediar de um modo inexplicável. Senti que era uma provocação. Não me deixavam fazer nada, às vezes giravam em torno de mim como um vendaval. Eu as classifiquei pelo nível de pavor que me geravam. Quando lia, elas se cruzavam rapidamente por cima dos livros e davam um efeito parecido com o piscar de olhos. Também deixavam marcas de vapor de água nos vidros e nos espelhos do banheiro, que eu via quando terminava de tomar banho.
Quase todas eram da mesma forma, mudavam de tamanho. Tinham extremidades laterais como se fossem braços; o que seria a cabeça era um todo, em forma de ovo e muito comprida. Pareciam ter um olho só ou uma mancha central por onde olhavam. Será que enxergavam? Não sei se enxergavam ou se só tinham um radar de movimentos. Sem boca, nem nariz nem nada parecido com um ser humano. Desses braços pendiam umas membranas pretas que se agitavam constantemente.
Um dia me desesperei e comecei a atacá-las: joguei um livro numa delas e espantei furiosamente as outras com bofetadas. Rápidas e com bons reflexos, algumas vezes conseguiam esquivar-se. Eu ficava pensando se elas sentiam dor quando eu as atravessava com meus braços. Será que sentiam alguma coisa? O que eu percebi é que perdiam um pouco a forma e, por sua vez, eu ficava tonta. Aquela vez eu devo ter corrido atrás delas durante uma hora sem parar, até ficar exausta. A batalha não tinha servido para nada e a indignação brotava de mim como gotas de suor ao vê-las em estado de contemplação.
Sonhei que saíam voando pela janela ou que se enfiavam dentro das sombras de onde surgiam, para não aparecerem nunca mais. Mas nada disso aconteceu.
Fui a uma igreja e conversei com um padre. Que reze, reze muito para encontrar paz interior, que jogue água benta em todos os quartos... que jante pouco... Deu uma benção especial para mim, outra para a casa e me entregou um montão de santinhos.
Gotinhas de colírio, água benta, orações... Uma amiga me disse que pendurasse alho atrás da porta, que tomasse um banho de imersão com sal grosso e que colocasse vinagre branco na testa. Tentei isso e outras táticas mais.
As noites eram cansativas e eu costumava acordar respirando seus hálitos imundos. Por um tempo, o que melhor funcionou foi um calmante que me receitou um médico. Uma maravilha encapsulada com efeito imediato: depois de dez minutos já me sentia atordoada. As sombras se aproximavam e eu cobria o rosto com o travesseiro para evitá-las. No máximo em meia hora me desligava e não reagia até o outro dia.
Decidi me mudar. Fiz isso duas vezes e cada vez que acabava de arrumar os móveis, apareciam como por passe de mágica. Acho que elas não gostavam da bagunça ou demoravam em me localizar. Na primeira vez que as vi, depois de várias horas abrindo caixas, não aguentei e comecei a chorar. Amaldiçoei a existência delas e comecei outra das minhas perseguições terapêuticas e descontroladas. Enquanto as perseguia, me perguntava se seriam as mesmas. Pareciam as mesmas.
Em uma festa tentei mostrá-las a uma vizinha. Dá para você ver aquela que está saindo da sombra da estante? É a mais agitada do grupo. A única coisa que ganhei foi aquele olhar medroso e desdenhoso, olhar de olhos curiosos que vibram ao descobrir alguma coisa fora do lugar. Infelizmente, esse olhar era o que sempre surgia depois da confissão das minhas companhias.
Dias depois do meu aniversário de setenta anos, aconteceu aquilo que havia desejado a vida toda: elas desapareceram. Foi de repente e sem aviso prévio. Eu as busquei por todos os cantos da casa e nada.
Jamais pensei que quando o momento desejado chegasse, eu ia me sentir tão agoniada. Fui visitar a minha irmã com a idéia de lhe contar o que tinha acontecido; ela era a única pessoa com quem eu podia conversar sobre o assunto. Cheguei ao seu apartamento, toquei a campainha e não me atendeu. Um vizinho saiu do prédio e aproveitei para entrar. Encontrei a minha irmã lendo o jornal na cama. Não havia percebido a hora: eram 8 da noite. Eu a chamei e não me escutou. Surda como uma porta havia ficado com os anos, pensei. Então mexi nas folhas do jornal. Surda e concentrada.
Vi que ela pestanejava e esfregava os olhos como se de repente tivesse um cisco no olho. Parei bem ao seu lado e ela ficou pálida quando me viu.
— Juanita, disse. E ela, assustada e com cara de nojo, me deu um golpe com o jornal e começou a correr atrás de mim pelo corredor.
— Para, Juanita, para que sou eu! — gritava eu assustada enquanto tentava me salvar dos pontapés. Fiquei completamente desorientada e me escondi atrás de um móvel.
Ás vezes, ela chora e reage mal quando eu me aproximo. Paciência, digo eu. E me dedico a lhe fazer companhia.
Gabriela Colombo
Fui a um centro oftalmológico, onde me dilataram as pupilas à força de gotas ardidas. Fiquei impressionada ao descobrir que também com a visão distorcida eu as continuava enxergando. Por ali passa uma voando, por lá se escondeu outra... Essa que parece uma, na realidade são duas, uma ao lado da outra.
O resultado parcial da consulta foi fadiga visual.
— Você enxerga linhas brilhantes enquanto trabalha?
— Sim, às vezes eu enxergo umas espadas fluorescentes aparecendo nas laterais do monitor.
— "Flashes luminosos". Esse é o nome que dão para esse problema e o tratamento é com um colírio.
— E as sombras?
— Nós as chamamos “Moscas Volantes”. Nunca tentou pegar uma?
— Já, várias vezes…
— São descolamentos de retina. Geralmente começam a aparecer com a velhice. Esse não é o seu caso.
— Como se faz para eliminá-las?
— Não tem jeito. O melhor é ficar amiga das suas moscas e aprender a conviver com elas. Se algum dia perceber que aumentaram, venha logo.
Dei duas voltas pelo hall do consultório até acertar a porta do elevador... eu me sentia tonta. Deixei o carro estacionado, optei por andar. Perambulei pelo centro da cidade como entre trevas. As luzes eram difusas, não podia ler os cartazes, nem os números dos ônibus e menos ainda os nomes das ruas. Fiquei pensando nos cegos.
Quando cheguei em casa me deitei com os braços cruzados atrás da cabeça, apaguei a luz e caí exausta, com a imagem do oculista falando gravada nas minhas retinas. Dormi sossegada até sentir a presença de uma das sombras flutuando por cima do meu corpo. No meio de um arrepio, abri os dois botões pretos que tinha como olhos e me levantei, agitada, para espantá-las. Acendi o abajur e, como um autômato, todas as demais luzes que encontrei em casa. O efeito “pupilas” não tinha fim. Fui até o banheiro e acabei na cozinha tomando um copo de leite morno. A certa altura da vida, não se pode ter medo da escuridão... Antes de voltar para a cama, olhei bem se a luz do corredor iluminava boa parte do meu dormitório. A sombra parece que tinha recebido a mensagem e estava escondida atrás da porta. Cobri a cabeça com o lençol e fiquei com a ponta do nariz para fora para respirar melhor. Por dentro, lhe implorei que não saísse.
Naquela época, a minha única esperança eram os vidrinhos de colírio; cumpria o rito das gotas cinco ou seis vezes por dia. Qualquer coisa para não vê-las mais. Durante o dia, rodeada de gente, a questão fluía bem. Os problemas começavam com o entardecer, parecia que a escuridão as ajudava a se camuflarem melhor, elas se desinibiam.
Tentei entender porque não podia vê-las diretamente, cara a cara. Devia se tratar de alguma característica da visão humana, porque eu podia perfeitamente detectá-las pelas laterais e inclusive por trás de mim. Ao longo dos anos também comecei a senti-las; exalavam um hálito frio, desagradável. Eu vivia em casa com umas seis delas e confesso que me apavorava enxergar mais de quatro juntas por perto. Desde o início pensei em ignorá-las, negá-las e durante algum tempo, consegui manter um comportamento socialmente aceitável, mas um dia elas se enfureceram ou simplesmente se cansaram da convivência e começaram a me assediar de um modo inexplicável. Senti que era uma provocação. Não me deixavam fazer nada, às vezes giravam em torno de mim como um vendaval. Eu as classifiquei pelo nível de pavor que me geravam. Quando lia, elas se cruzavam rapidamente por cima dos livros e davam um efeito parecido com o piscar de olhos. Também deixavam marcas de vapor de água nos vidros e nos espelhos do banheiro, que eu via quando terminava de tomar banho.
Quase todas eram da mesma forma, mudavam de tamanho. Tinham extremidades laterais como se fossem braços; o que seria a cabeça era um todo, em forma de ovo e muito comprida. Pareciam ter um olho só ou uma mancha central por onde olhavam. Será que enxergavam? Não sei se enxergavam ou se só tinham um radar de movimentos. Sem boca, nem nariz nem nada parecido com um ser humano. Desses braços pendiam umas membranas pretas que se agitavam constantemente.
Um dia me desesperei e comecei a atacá-las: joguei um livro numa delas e espantei furiosamente as outras com bofetadas. Rápidas e com bons reflexos, algumas vezes conseguiam esquivar-se. Eu ficava pensando se elas sentiam dor quando eu as atravessava com meus braços. Será que sentiam alguma coisa? O que eu percebi é que perdiam um pouco a forma e, por sua vez, eu ficava tonta. Aquela vez eu devo ter corrido atrás delas durante uma hora sem parar, até ficar exausta. A batalha não tinha servido para nada e a indignação brotava de mim como gotas de suor ao vê-las em estado de contemplação.
Sonhei que saíam voando pela janela ou que se enfiavam dentro das sombras de onde surgiam, para não aparecerem nunca mais. Mas nada disso aconteceu.
Fui a uma igreja e conversei com um padre. Que reze, reze muito para encontrar paz interior, que jogue água benta em todos os quartos... que jante pouco... Deu uma benção especial para mim, outra para a casa e me entregou um montão de santinhos.
Gotinhas de colírio, água benta, orações... Uma amiga me disse que pendurasse alho atrás da porta, que tomasse um banho de imersão com sal grosso e que colocasse vinagre branco na testa. Tentei isso e outras táticas mais.
As noites eram cansativas e eu costumava acordar respirando seus hálitos imundos. Por um tempo, o que melhor funcionou foi um calmante que me receitou um médico. Uma maravilha encapsulada com efeito imediato: depois de dez minutos já me sentia atordoada. As sombras se aproximavam e eu cobria o rosto com o travesseiro para evitá-las. No máximo em meia hora me desligava e não reagia até o outro dia.
Decidi me mudar. Fiz isso duas vezes e cada vez que acabava de arrumar os móveis, apareciam como por passe de mágica. Acho que elas não gostavam da bagunça ou demoravam em me localizar. Na primeira vez que as vi, depois de várias horas abrindo caixas, não aguentei e comecei a chorar. Amaldiçoei a existência delas e comecei outra das minhas perseguições terapêuticas e descontroladas. Enquanto as perseguia, me perguntava se seriam as mesmas. Pareciam as mesmas.
Em uma festa tentei mostrá-las a uma vizinha. Dá para você ver aquela que está saindo da sombra da estante? É a mais agitada do grupo. A única coisa que ganhei foi aquele olhar medroso e desdenhoso, olhar de olhos curiosos que vibram ao descobrir alguma coisa fora do lugar. Infelizmente, esse olhar era o que sempre surgia depois da confissão das minhas companhias.
Dias depois do meu aniversário de setenta anos, aconteceu aquilo que havia desejado a vida toda: elas desapareceram. Foi de repente e sem aviso prévio. Eu as busquei por todos os cantos da casa e nada.
Jamais pensei que quando o momento desejado chegasse, eu ia me sentir tão agoniada. Fui visitar a minha irmã com a idéia de lhe contar o que tinha acontecido; ela era a única pessoa com quem eu podia conversar sobre o assunto. Cheguei ao seu apartamento, toquei a campainha e não me atendeu. Um vizinho saiu do prédio e aproveitei para entrar. Encontrei a minha irmã lendo o jornal na cama. Não havia percebido a hora: eram 8 da noite. Eu a chamei e não me escutou. Surda como uma porta havia ficado com os anos, pensei. Então mexi nas folhas do jornal. Surda e concentrada.
Vi que ela pestanejava e esfregava os olhos como se de repente tivesse um cisco no olho. Parei bem ao seu lado e ela ficou pálida quando me viu.
— Juanita, disse. E ela, assustada e com cara de nojo, me deu um golpe com o jornal e começou a correr atrás de mim pelo corredor.
— Para, Juanita, para que sou eu! — gritava eu assustada enquanto tentava me salvar dos pontapés. Fiquei completamente desorientada e me escondi atrás de um móvel.
Ás vezes, ela chora e reage mal quando eu me aproximo. Paciência, digo eu. E me dedico a lhe fazer companhia.
Gabriela Colombo
1 comentario:
Gracias, Claudia. Un abrazo! Gabriela =)
Publicar un comentario